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10 de fev. de 2012

Os "gestores Kodak" e a educação


Por Thiago Baptistella Cabral

Em janeiro deste ano, a empresa Eastman Kodak Company - aquela mesmo, a "Kodak" das máquinas fotográficas - anunciou o pedido de concordata. Antigamente, fotografia era coisa para poucos. As fotos eram produzidas através de complicados processos com a utilização de chapas de vidro, realizado apenas por especialistas. Foi então em meados de 1880 que o estadunidense George Eastman inventou a fotografia baseada no uso de filmes, e criou a empresa Kodak. 


George Eastman em uma foto exposta no Museu
 Internacional da Fotografia, em Nova York (EUA)
Com o genial slogan "você aperta o botão, nós fazemos o resto", a nova tecnologia aos poucos começou a se popularizar, até se tornar a maior empresa de fotografia do mundo. Sabe aquelas fotografias do homem pisando na lua? Pois é, foram tiradas com máquinas da Kodak, do tamanho de caixas de sapato, no ano de 1969. Seis anos depois, Steven Sasson, um engenheiro elétrico da empresa, criou a primeira máquina digital. Na época, a Kodak detinha 90% das vendas de filmes fotográficos e 85% das vendas de câmeras dos Estados Unidos. Para proteger o lucrativo negócio dos filmes, os gestores da empresa resolveram não levar adiante o projeto da máquina digital e, bem, o restante da história todos nós conhecemos. 


"você aperta o botão, nós fazemos o resto". E o resto era bastante coisa. Terminado o filme, enviava-se a câmara para a Eastman Kodak Company que descarregava o rolo, revelava as fotos, colocava novo filme na máquina e reenviava tudo ao cliente.
Steven Sasson e o protótipo da primeira máquina digital (à esquerda)

Sobre o fracasso da Kodak, muito se especulou sobre a falta de inovação (desafio o leitor a encontrar uma única matéria que diga o contrário!), uma vez que a empresa decidiu apostar exclusivamente nos filmes fotográficos, deixando espaço aberto para outras companhias explorarem o novo mercado criado pelas câmeras digitais. Teria mesmo faltado inovação à Kodak? Voltarei a este ponto, mas antes vamos ver o que a educação tem a ver com tudo isso.


Imagem do clipe do Pynk Floyd "Another Brick in the Wall"
Enfrentamos problemas na qualidade da educação de base, mas na educação superior o problema não é diferente. Graduei-me em Ciências Biológicas por uma universidade pública de São Paulo, um dos melhores cursos do Brasil segundo o "Guia do Estudante" e, mesmo assim, posso dizer que aprendi mais sobre educação, ciências e biologia nestes três últimos anos, depois de graduado, do que nos cinco anos dentro da universidade. Infelizmente, não pareço ser exceção. Em conversas com colegas da minha e de outras universidades, de São Paulo ao Rio Grande do Norte, constatei que isso é muito comum. São muito poucos os professores e as disciplinas que acrescentam algo de fundamental em nossa formação. Acredito que aprenderia mais, e em menos tempo, se estivesse em um grupo de colegas com interesses em comum, acesso à biblioteca e à internet, e ajuda de professores para montar um roteiro de estudos. No mínimo, meu percurso teria sido menos enfadonho. Talvez, em um sistema de aprendizado neste formato eu deixasse de obter um diploma, algo importante para a inserção no mercado de trabalho - embora algumas empresas americanas estejam atualmente realizando contratações baseadas mais em informações disponíveis em mídias virtuais dos candidatos, como blogs ou conta no Twitter, do que no currículo dos mesmos. Esta é uma consequência da falência da díade diploma-conhecimento, ou como disse Augusto de Franco, "O diploma é o reconhecimento do conhecimento ensinado, não necessariamente aprendido".


Link para matéria "Para alguns empregadores, currículo é coisa do passado", citada no texto: Clique aqui

Voltando à pergunta em aberto do final do segundo parágrafo, acredito que a Kodak não faliu devido à falta de inovação, como muitos sustentam (afinal, a própria empresa foi responsável pela criação da máquina fotográfica digital), e sim devido ao que foi feito da criatividade e inovação que ali surgiram. Paralelos podem ser traçados com a educação. Apesar de contarmos com um sistema educacional obsoleto, existem exceções, que correspondem a equipes pedagógicas dedicadas a defender projetos educacionais inovadores (as nossas "máquinas fotográficas digitais"). Em muitos casos, estas equipes contam com apoio significativo por parte dos pais dos alunos da escola, e enfrentam uma série de dificuldades na tentativa de sobreviver em meio à burocracia dos modelos educacionais existentes. 

Para conhecer o site da Rede Potiguar de Escolas Leitoras clique aqui

Para focar somente em exemplos potiguares, são referências de projetos educacionais inovadoras o Centro de Educação Integrada de Maracajaú,a Escola Estadual Hegésippo Reis e o projeto "Rede Potiguar de Escolas Leitoras". Este último, talvez um dos mais ousados e importantes projetos educacionais do Rio Grande do Norte desde o "De pés no chão também se aprende a ler", da época em que Djalma Maranhão era o prefeito de Natal e Moacyr de Góes o secretário de educação. Um projeto deste nível, com potencial para ser considerado referência internacional na formação de leitores (apenas "gestores Kodak" não saberiam o que fazer com um projeto desses nas mãos!), enfrenta problemas inadmissíveis, como ausência de professores nas salas de leitura e bibliotecas, realocação de professores readaptados nas salas de leitura e riscos de descontinuidade. Tais dificuldades poderiam ser facilmente evitadas. Como vimos, alguns profissionais da educação criam, inovam, e trilham novos caminhos para a educação. Se fossem estimulados, poderiam ser muitos mais.



Thiago Baptistella Cabral, biólogo e educador, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), que publica artigos de opinião no Jornal Diário de Natal às sextas-feiras. Texto publicado em 10/02/2012

5 comentários:

  1. Ótima analogia, Thiago!

    Realmente ideias boas não faltam, nos falta muitas vezes apoio. Quando falamos de intenções políticas nos deparamos com o interesse de um ser cada vez menos pensante e crítico, logo, apoiar projetos que incentivem a transformação pode não ser interessante do ponto de vista eleitoral.
    Mas acredito na força das ideias, e já vi muitos projetos sem o apoio público que foram pra frente. Nos resta ter força e companheiros pra "lutar"!!!

    Adorei o texto!

    beijos!

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  2. Bernardo Heusi Grether10 de fevereiro de 2012 às 15:09

    Fala Tí.

    Excelente texto cara ... gostei desse formato de blog tb . Ja ta no favoritos rs

    Abracao

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