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8 de nov. de 2012

8º Prêmio Empreendedor Social e 4º Prêmio Folha Empreendedor Social de Futuro

Matéria extraída do caderno Especial do jornal Folha de S.Paulo do dia 08/11/2012.



Instituto Chapada de Educação e Pesquisa | www.institutochapada.org.br
Aos 45 anos, a educadora é a mentora e diretora-executiva do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa, que contribui para a melhoria da educação pública por meio do apoio à formação continuada de educadores e gestores educacionais
Tecelã da educação
Amor 'gigantesco' e vontade de mudar tudo a sua volta levaram a 'doce general' a deixar Salvador para transformar a escola pública do sertão baiano
Fotos Na Lata
Cybele Oliveira, na vila de Caeté-Açu (BA)
Cybele Oliveira, na vila de Caeté-Açu (BA)

MARIANA BERGELENVIADA ESPECIAL À CHAPADA DIAMANTINA (BA)
Repetir de ano foi a primeira grande transformação na vida de Cybele Amado de Oliveira. Aos sete anos, a sobrinha-neta de Jorge Amado não conseguiu acompanhar o desenvolvimento de sua turma.
Para descobrir o que havia acontecido, ela contou com uma rede, formada pelos pais -uma contadora de histórias e um piloto da Aeronáutica- e por uma terapeuta.
Foi dessa forma que descobriu que o método de alfabetização usado em sua escola, o Casinha Feliz, baseado em figuras e fonemas, havia se tornado, para ela, uma "casinha infeliz". Cybele, hoje com 45 anos, entendeu naquela época que trocava letras.
Conseguiu reverter o problema. Mais do que isso, revolucionou seu breve histórico escolar -de aluna repetente no começo do ensino fundamental, passou a líder de classe ainda antes do início do ensino médio.
Decidiu fazer o papel que outras pessoas haviam protagonizado em sua vida anos antes: aos 13 anos de idade, começou a auxiliar colegas de escola que tinham dificuldade em matemática.
Na adolescência, distribuía mingau nas ruas e visitava orfanatos e asilos para levar carinho a crianças e idosos.
"Eu tinha um amor gigantesco dentro de mim e uma vontade imensa de mudar tudo o que estava a minha volta, mas não sabia o que fazer com isso", lembra Cybele.
Combinava essas atividades com outras de suas paixões -o grupo de teatro da juventude espírita, as aulas de balé clássico e dança contemporânea e a leitura.
Aos 17 anos, mais uma atividade entrou para sua agenda. A jovem havia sido aprovada no vestibular para a faculdade de pedagogia.
Foi logo no fim do curso que vivenciou sua segunda grande transformação -durante o Carnaval.
Decidida a fugir da folia da capital baiana, foi para a Chapada Diamantina, no interior do Estado. Lá, na vila de Caeté-Açu, no Vale do Capão, distrito de Palmeiras, encontrou não apenas a paz, mas sua missão de vida.
"Na hora em que entrei em uma escola pública, fiquei em choque", diz ela, sobre a precariedade das condições do local. Na volta a Salvador, chorou o caminho inteiro.
FORA DA CAIXA
A experiência foi tão marcante que, uma semana depois, quando o governo do Estado abriu concurso público para a contratação de professores na Chapada Diamantina, ela se inscreveu.
Quando foi aprovada, aos 21 anos, mudou-se para Caeté-Açu levando consigo apenas uma mala de roupas e três caixas de livros, arrecadados em uma campanha que mobilizou em Salvador.
Determinada a que os alunos aprendessem a ler e a escrever, começou como professora de língua portuguesa, mesmo se sentindo ainda despreparada.
Com a escassez de recursos -a escola não tinha nem papel sulfite-, transgrediu o currículo e levou as crianças para aprender fora da sala de aula. "Elas têm que ser menos passivas e mais ativas na aprendizagem", diz Cybele.
A mudança para a Chapada Diamantina também alterou sua vida pessoal.
Ao chegar, ficou doente e foi consultar-se com o único médico da vila do Capão, o naturologista Aureo Augusto Caribé de Azevedo, 59. Casaram-se e ela assumiu como seus os dois filhos dele.
"Não é que eu não queria ter filhos, eu não pensava nisso. Quero cuidar de quem já está no mundo."
Para isso, foi aprimorar-se. Fez pós-graduação em psicopedagogia e, em paralelo ao trabalho na escola, atendia voluntariamente crianças com dificuldade de aprender.
O fim dos anos 1990 foi intenso. Nesse período, com a Associação de Pais, Educadores e Agricultores de Caeté-Açu, iniciou um programa de auxílio a professores. Também criou, com 12 secretários municipais de educação e associações de moradores locais, o Projeto Chapada.
Em 2005, fundou o Icep (Instituto Chapada de Educação e Pesquisa), que contribui para a melhoria da qualidade da educação por meio do apoio à formação continuada de educadores e gestores educacionais, bem como da criação e da mobilização de redes colaborativas.
Pediu exoneração do funcionalismo público, assumiu a diretoria do instituto e ingressou no mestrado em desenvolvimento e gestão social na UFBA (Universidade Federal da Bahia).
DOCE GENERAL
Nesse tempo, perdeu 12 quilos por causa das madrugadas dedicadas ao estudo e às viagens nos fins de semana para o curso em Salvador.
Hoje, são 20 os municípios da região integrados ao Icep. "Precisamos acreditar que as pessoas são capazes de transformar sua realidade e de conquistar autonomia."
Nos raros momentos em que não está trabalhando, Cybele ouve música clássica e dança sozinha em casa.
"Fico doente quando tem algum feriado prolongado. Trabalho de domingo a domingo." Não é à toa que ganhou na Chapada o apelido de "doce general".
IMPACTO SOCIAL
Promove a formação de leitores e escritores autônomos no ensino fundamental 1, beneficiando hoje 72.186 alunos e 4.204 profissionais da educação na Bahia e em Pernambuco; em 13 anos de atuação, impactou a vida de 157.130 pessoas
SUSTENTABILIDADE
Com um orçamento anual (2012) de R$ 2,6 milhões, o Instituto Chapada tem 35 colaboradores, a maioria formadores pedagógicos. Dos finalistas deste ano, tem a menor diferença na relação entre o maior e o menor salários (2,6)
INOVAÇÃO
Seu projeto é a gênese do que o MEC (Ministério da Educação) chama hoje de ADEs (Arranjos de Desenvolvimento da Educação): ferramentas de gestão pública com trabalho em rede para estimular a colaboração entre prefeituras na oferta de educação de qualidade
POLÍTICAS PÚBLICAS
É o cerne do trabalho do instituto. O melhor exemplo é a campanha desenvolvida em anos leitorais, na qual é pactuado, em sessão solene com os candidatos à prefeitura, um documento público com as propostas de educadores, pais e representantes da comunidade para a melhoria da qualidade
"Em cinco anos, vejo-me à frente da principal instituição de formação de professores do país. Em dez anos, vejo-me à frente da principal instituição de formação de professores do mundo"
CYBELE OLIVEIRA, Empreeendedora Social 2012 da educação municipal


Icep integra público e privado para educar
DA ENVIADA ESPECIAL
À frente do Icep e ao longo dos 16 anos nos quais tem se dedicado a erradicar o analfabetismo e formar leitores e escritores autônomos na Chapada Diamantina, Cybele Oliveira é a principal responsável pelos resultados notáveis em educação alcançados na região nos últimos anos.
Hoje, os três melhores Idebs (Índice de Desenvolvimento de Educação Básica) da Bahia são de municípios da rede do Instituto Chapada: Boa Vista do Tupim (5,8), Piatã (5,3) e Ibitiara (5).
Trata-se do primeiro e único lugar do Brasil com uma iniciativa concreta, de caráter apartidário, que mobiliza e integra prefeituras, secretarias de educação, escolas, população e políticos para pensar propostas para a educação municipal, além de monitorar sua efetivação.
Essa integração, vale lembrar, dá-se em região marcada pelo coronelismo e pela perpetuação da ignorância entre os menos favorecidos.
No Dia E, ação da Campanha Chapada e Semiárido pela Educação promovida pelo Icep em anos eleitorais, candidatos a vereador e prefeito dos municípios da rede assistem à apresentação de um plano formulado pelos próprios cidadãos e assinam um termo se comprometendo a priorizar tais propostas.
Além da mobilização política, as outras duas grandes linhas de ação do Icep são a formação continuada e a produção de conhecimento. Os 20 municípios que integram a rede buscam juntos, e de maneira autônoma, caminhos e soluções para questões pertinentes à educação.
O instituto conta com uma coordenação regional e uma equipe de formadores. Cada município da rede tem sua equipe técnica, que trabalha na secretaria de educação.
Coordenadores pedagógicos, que há pouco tempo não existiam nessas cidades, atuam nas escolas ao lado de diretores e professores.
13ª é a posição da Chapada Diamantina no Índice de Desenvolvimento Econômico; no Índice de Desenvolvimento Social, é a última colocada (Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia)
4,3 foi a nota média na 4ª série/5º ano das escolas públicas no Ideb 2011 dos 19 municípios em que o Instituto Chapada atua, ultrapassando em 19% a meta de 3,63, sendo que a média baiana para o mesmo grupo foi de 3,9, para a meta de 3,3; no Brasil, as médias/metas foram de 4,7 e 4,4, respectivamente
ANALFABETISMO
Em termos qualitativos, o percentual de alunos baianos que atingiram a pontuação mínima adequada na escala da Saeb/Prova Brasil foi inferior à média nacional em todas as séries avaliadas (Todos pela Educação). O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) mostra que, das 400 piores escolas de 2007, 283 pioraram em 2011: 34% delas estão na Bahia
CHAPADA
Resquícios do coronelismo autoritário e escravagista, onde só os ricos eram alfabetizados, aliados a um cenário econômico de agricultura de subsistência e exploração de minérios, ainda repercutem no alto índice de analfabetismo funcional da população dos 33 municípios da Chapada Diamantina


'Hoje eu sei por que estou na sala de aula'
Professora diz que seu papel é mostrar às crianças o caminho do aprendizado
(...) Depoimento a
MARIANA BERGELENVIADA ESPECIAL À CHAPADA DIAMANTINA (BA)

"Eu tinha apenas o curso de magistério e, aqui [Novo Horizonte], fiz pedagogia e prestei concurso público para trabalhar como professora de educação infantil. Comecei a trabalhar com o Icep, na formação continuada, e me dei conta de que antes eu ensinava mas nem sabia o que estava ensinando. Hoje é totalmente diferente. Sei por que estou na sala de aula. E para quê: ajudar as crianças a entender o processo de aprendizagem. Não estou lá para ensinar, e sim para mostrar que eles mesmos aprendem, basta mostrar o caminho.Temos um acompanhamento direto. Uma formadora do Icep vem a cada mês e fica aqui dois dias com todos os professores, coordenadores e supervisores. Eu me sinto muito mais bem preparada com esse auxílio. Muitas vezes o que é novo deixa dúvidas, e quando você vai colocar em prática aparecem as dificuldades. A formadora traz textos para que os professores percebam a importância do trabalho dentro da sala de aula. Existe um planejamento sobre o que vai ser feito antes, durante e depois da aula.
Quando a formadora volta, ela assiste a vídeos das atividades e ouve nossos relatos para saber qual foi a principal dificuldade do professor ao planejar e aplicar as aulas. Sou encantada com o projeto. O Ideb da cidade melhorou muito com um trabalho de formação continuada e a estrutura que o Instituto Chapada dá aos municípios. A Cybele é um espelho para nós."