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29 de set. de 2012

Os animais têm razão

Um dos cordéis mais legais que eu já li =)
Para saber mais sobre o autor, clique aqui
por Antonio Francisco


Quem já passou no sertão
E viu o solo rachado,
A caatinga cor de cinza,
Duvido não ter parado
Pra ficar olhando o verde
Do juazeiro copado.

E sair dali pensando:
Como pode a natureza
Num clima tão quente e seco,
Numa terra indefesa
Com tanta adversidade
Criar tamanha beleza.

O juazeiro, seu moço,
É pra nós a resistência,
A força, a garra e a saga,
O grito de independência
Do sertanejo que luta
Na frente da emergência.

Nos seus galhos se agasalham
Do periquito ao cancão.
É hotel de retirante
Que anda de pé no chão
O general da caatinga
E o vigia do sertão.

E foi debaixo de um deles
Que eu vi um porco falando,
Um cachorro e uma cobra
E um burro reclamando,
Um rato e um morcego
E uma vaca escutando.

Isso já faz tanto tempo
Que eu nem me lembro mais
Se foi pra lá de Fortim,
Se foi pra cá de Cristais,
Eu só me lembro direito
Do que disse os animais.

Eu vinha de Canindé
Com sono e muito cansado,
Quando vi perto da estrada
Um juazeiro copado.
Subi, armei minha rede
E fiquei ali deitado.

Como a noite estava linda
Procurei ver o cruzeiro,
Mas, cansado como estava,
Peguei no sono ligeiro.
Só acordei com uns gritos
Debaixo do juazeiro.

Quando eu olhei para baixo
Eu vi um porco falando,
Um cachorro e uma cobra
E um burro reclamando,
Um rato e um morcego
E uma vaca escutando.

O porco dizia assim:
“Pelas barbas do capeta
Se nós ficarmos parados
A coisa vai ficar preta
Do jeito que o homem vai,
Vai acabar o planeta.

Já sujaram os sete mares
Do Atlântico ao mar Egeu,
As florestas estão capengas,
Os rios da cor de breu
E ainda por cima dizem
Que o seboso sou eu.

Os bichos bateram palmas,
O porco deu com a mão,
O rato se levantou
E disse: “prestem atenção”,
Eu também já não suporto
Ser chamado de ladrão.

O homem, sim, mente e rouba,
Vende a honra, compra o nome.
Nós só pegamos a sobra
Daquilo que ele come
E somente o necessário
Pra saciar nossa fome.

Palmas, gritos e assovios
Ecoaram na floresta,
A vaca se levantou
E disse franzindo a testa:
Eu convívio com o homem,
Mas sei que ele não presta.
É um mal-agradecido,
Orgulhoso, inconsciente.
É doido e se faz de cego,
E não sente o que a gente sente,
E quando nasce e tomando
A pulso o leite da gente.

Entre aplausos e gritos,
A cobra se levantou,
Ficou na ponta do rabo
E disse: também eu sou
Perseguida pelo homem
Pra todo canto que vou.

Pra vocês o homem é ruim,
Mas pra nós ele é cruel.
Mata a cobra, tira o couro,
Come a carne, estoura o fel,
Descarrega todo o ódio
Em cima da cascavel.

É certo, eu tenho veneno,
Mas nunca fiz um canhão.
E entre mim e o homem,
Há uma contradição
O meu veneno é na presa,
O dele no coração.

Entre os venenos do homem
O meu se perde na sobra...
Numa guerra o homem mata
Centenas numa manobra,
Inda cego que diz:
Eu tenho medo de cobra.

A cobra inda quis falar,
Mas, de repente, um esturro.
É que o rato, pulando,
Pisou no rabo do burro
E o burro partiu pra cima
Do rato pra dar-lhe um murro.

Mas, o morcego notando
Que ia acabar a paz,
Pulou na frente do burro
E disse: calma rapaz!...
Baixe a guarda, abra o casco,
Não faça o que o homem faz.

O burro pediu desculpas
E disse: muito obrigado,
Me perdoe se fui grosseiro,
É que eu ando estressado
De tanto apanhar do homem
Sem nunca ter revidado.

O rato disse: seu burro,
Você sofre porque quer.
Tem força por quatro homens,
Da carroça é o chofer...
Sabe dar coice e morder,
Só apanha se quiser.

O burro disse: eu sei
Que sou melhor do que ele,
Mas se eu morder o homem
Ou se eu der um coice nele
É mesmo que está trocando
O meu juízo no dele

Os bichos todos gritaram:
Burro, burro... muito bem!
O burro disse: obrigado,
Mas aqui ainda tem
O cachorro e o morcego
Que querem falar também.

O cachorro disse: amigos,
Todos vocês têm razão...
O homem é um quase nada
Rodando na contramão,
Um quebra-cabeça humano
Sem prumo e sem direção.

Eu nunca vou entender
Por que o homem é assim:
Se odeiam, fazem guerra
E tudo quanto é ruim
E a vacina da raiva
Em vez deles, dão em mim.

Os bichos bateram palmas
E gritaram: vá em frente.
Mas o cachorro parou,
Disse: obrigado, gente,
Mas falta ainda o morcego
Dizer o que ele sente.

O morcego abriu as asas,
Deu uma grande risada
Eu disse: eu sou o único
Que não posso dizer nada
Porque o homem pra nós
Tem sido até camarada.
Constrói castelos enormes
Com torre, sino e altar,
Põe cerâmica e azulejos
E dão pra gente morar
E deixam milhares deles
Nas ruas, sem ter um lar.

O morcego bateu asas,
Se perdeu na escuridão,
O rato perdeu a vez,
Mas não ouvi nada, não,
Peguei no sono e perdi
O fim da reunião.

Quando o dia amanheceu,
Eu desci do meu poleiro.
Procurei os animais,
Não vi mais nem o roteiro.
Vi somente umas pegadas
Debaixo do juazeiro.

Eu disse olhando as pegadas:
Se essa reunião
Tivesse sido por nós,
Estava coberto o chão
De piubas de cigarros,
Guardanapos e papelão.

Botei a maca nas costas
E sai cortando vente.
Tirei a viagem toda
Sem tirar do pensamento
Os sete bichos zombando
Do nosso comportamento.

Hoje, quando vejo na rua
Um rato morto no chão,
Um burro mulo piado,
Um homem com um facão
Agredindo a natureza,
Eu tenho plena certeza:

OS ANIMAIS TEM RAZÃO

21 de set. de 2012

Aprender por quê?


por Thiago Baptistella Cabral

Paulo Freire em ilustração de  Paulica Santos

Certa vez Paulo Freire - que completaria 91 anos no último dia 19 -, em um programa de rádio, foi perguntado sobre a evasão escolar. Ele disse que "evasão" é uma palavra muito singela, muito sutil para o processo que acontece com o aluno desde que entra na escola até este comportamento final. Ele disse que não são os alunos que evadem, mas as escolas que os abortam. Este modo de ver a situação joga luz sobre o papel ativo da escola no comportamento de "abandono escolar do aluno". Na realidade ele havia sido antes abandonado por ela. 

Homenagem a Paulo Freire feita pelo Profeta Gentileza.

Apresentarei abaixo algumas pesquisas recentes de diferentes áreas do conhecimento sobre este complexo tema para buscarmos compreendê-lo melhor. Segundo o recém-saído documento "Todas as Crianças na Escola em 2015 - Iniciativa Global pelas Crianças Fora da Escola", divulgado no dia 31 de agosto pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef) - há aproximadamente 3,7 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos fora da escola (!). A maior porcentagem é formada por crianças provenientes de baixa classe social das regiões norte e nordeste. Estão fora da escola 32% das crianças cujos pais ganham um quarto de um salário mínimo, mas em famílias de dois salários mínimos este número cai para 6,9%. Outro estudo importante sobre o tema saiu em 2009, desenvolvido pela Faculdade Getúlio Vargas (FGV): "O Tempo de Permanência na Escola e as Motivações dos Sem-Escola". Eles identificaram que o principal motivo da evasão escolar de jovens de 15 a 17 anos não é a necessidade de procurar emprego, mas a ausência de interesse intrínseco do aluno em ir à escola, respondendo por 40% da evasão. A necessidade de trabalho fica em segundo lugar, respondendo por 27% da evasão. Ou seja, uma escola sem sentido faz com que o aluno perca o interesse em ir até ela.

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Estes dados confluem com outro estudo realizado em 2011 pelos pesquisadores italianos Fábio Alivernini e Fábio Lucidi. Eles elencaram alguns fatores que poderiam influenciar a evasão como, por exemplo, as notas dos alunos, a influência da autonomia que os pais davam aos filhos, a motivação do aluno para ir à escola e fazer as atividades escolares, o status socioeconômico dos alunos e o suporte à autonomia do aluno dado pelo professor. Então fizeram a seguinte pergunta: qual destes fatores teria maior influência no comportamento de evasão escolar? Após um ano de pesquisa, com 426 crianças com idades de 9 a 13 anos, descobriram que a motivação do aluno era o principal previsor de evasão escolar, ou seja, se o aluno tem baixa motivação para ir à escola, é maior a chance dele evadir a escola, mesmo que suas notas sejam relativamente boas. A motivação, portanto, está intrinsecamente relacionada ao interesse, à vontade do aluno, o que ajuda a esclarecer o alto índice de falta de interesse dos alunos na escola encontrados no estudo da FGV.

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Talvez a principal teoria psicológica que procura explicar o funcionamento da motivação humana seja a teoria da Autodeterminação. Ela postula três necessidades psicológicas básicas para o ser humano: a necessidade de autonomia, de relacionamento (conectividade) e de competência. Deste modo, um ambiente que favoreça a autonomia, a conectividade e a competência do aluno vai fazer com que sua motivação intrínseca (o tipo de motivação gerado pelo prazer de fazer a tarefa) seja aumentada. Por exemplo, o aluno, ter a possibilidade de escolher com quem vai fazer grupo em determinado trabalho aumenta sua necessidade de autonomia e sua motivação intrínseca; escolher de qual forma aprender determinado assunto também tende a aumentar a motivação do aluno. 


Quanto maior a série, menor a motivação intrínseca (linha escura) do aluno.
Corpus, J.H. et al (2009). Within-year changes in children's  intrinsic and extrinsic motivational orientations: contextual predictors and academic outcomes. Contemporary Educational Psychology.


Em algumas escolas o currículo está dividido em objetivos, o que faz com que o aluno escolha quais objetivos trabalhar, digamos, naquela semana. Escolas que caminham nesta direção podem aumentar o interesse do aluno pela escola, diminuindo o aborto escolar e os problemas que dele decorrem. Se o aluno não compreender o sentido daquilo que o professor está querendo ensinar, sua motivação diminuirá. Isto nos leva de volta ao Paulo Freire, que trabalhava em seus círculos de cultura a importância da conscientização e da contextualização do conhecimento. Certa vez Moacir Gadotti disse que se Freire estivesse vivo, colocaria mais um pilar junto aos "quatro pilares da educação" criados pela UNESCO (Aprender a conhecer, Aprender a fazer, Aprender a viver com os outros e Aprender a ser): "Aprender por quê?".

O quarto capítulo pe todo dedicado aos "Quatro pilares da educação"
Para download do livro clique aqui



Thiago Baptistella Cabral, biólogo e educador, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), que publica artigos no caderno opinião do Jornal Diário de Natal às sextas-feiras. Texto publicado em 21/09/2012.

Para ler este texto no site do jornal Diário de Natal clique aqui (é o texto de baixo).